domingo, 26 de maio de 2013

A MAIOR EXPERIÊNCIA DE PERDA: A MORTE

Dentre as nossas perdas, é a morte de uma pessoa próxima a nossa maior experiência de perda: pode ser de um pai, mãe, filho, irmão, esposo, esposa, etc. É uma perda incomparável. Não há outra a que possamos comparar. Depois do fato, a vida segue seu rumo, como se nada tivesse acontecido e isso nos parece impiedoso. A experiência se assemelha a entrar em um túnel, onde existe um vácuo e só o tempo é capaz de nos trazer alívio para essa dor tão profunda. Só que hoje não temos tempo nem para o luto. Isso não significa que devamos nos entregar à dor e lá ficar. Não é isso... A questão é que é impossível exigir que continuemos a vida como se nada tivesse acontecido. É impossível desvincular o emocional das nossas rotinas diárias. A pressa e o imediatismo da sociedade em que vivemos nos negam tempo para chorar. Ou teremos que chorar a caminho de algum lugar, ou enquanto executamos nosso trabalho. A fase de luto não fácil. Dói, machuca... Não temos tempo para mais nada. Nem para conviver com aqueles que amamos e o que mais agrava é que sabemos, se não sabemos precisamos saber, que um dia seremos nós a morrer. Por isso é muito importante que nos preocupemos com o que andamos fazendo da vida. Fazer o luto ou realizar o trabalho de elaboração simbólica da perda são expressões comuns em Psicologia e Psicanálise. Afinal, o que isso significa realmente? Uma primeira resposta é: adquirir capacidade de processar ou digerir o excesso de sentimentos ligados à perda, e entrar nos processos temporais, humanizando-se. Vamos partir do exemplo de uma criança que perde o pai e sente-se completamente desolada e revoltada. A ansiedade, a culpa e o penar combinados à raiva, à impotência e aos sentimentos de humilhação e desamparo tornam muito difícil aceitar, digerir e modificar os afetos que foram mobilizados. O ferimento da perda precisa ser curado, a ferida precisa ser “pensada”. Os médicos sabem que uma ferida precisa ser “pensada” com remédios e curativos. O analista, médico de feridas afetivas, pode ajudar a transformar alguns afetos, acompanhando a pessoa, escutando-a, dedicando-lhe um tempo, convidando-a a tomar uma certa distância dos acontecimentos em sua brutalidade factual, e desenvolvendo, junto a ela, palavras e pensamentos, a respeito de si e do mundo, que agem como “remédios” da alma. Os afetos transformados não deixam de ser o que são: amor, ódio, inveja, vergonha, culpa etc. Mas tornam-se digeríveis e dão colorido e riqueza à vida psíquica. Pois a dor se modifica quando a pessoa ferida começa a ser escutada com atenção e pode relatar a repercussão dos fatos em seu psiquismo e desenvolver uma interlocução que permite mudar algo na compreensão dos acontecimentos. Algo parece aprofundar-se ou ganhar nuances. Constrói-se uma nova perspectiva dentro do novo enquadramento, algumas coisas se ampliam, outras se reduzem, há um remanejamento de posições e surge um insight, nova visão a respeito dos fatos, construída de forma singular pela pessoa ferida. Essa dor, pensada, é lugar de uma nova criação. Essa criação, por sua vez, ajuda a levar o tratamento um pouco mais adiante: criar é também reparar os estragos reais ou imaginários; criar é também poder agradecer pelo que se recebeu: “de um limão, fez-se a limonada”. A análise caminha no rumo de ampliar a capacidade de o indivíduo reparar criativamente e agradecer. Ou seja, reparação e gratidão são, ao fim e ao cabo, os grandes curadores das doenças da alma. Mas curar as dores psíquicas não é anestesiar-se. Ao contrário, é ampliar as capacidades de suportá-las e transformá-las em benefício de si e dos outros. Quando isso se torna possível, o contato com a dor, em vez de mutilar ou culpabilizar de forma neurótica, torna a pessoa ferida mais capaz de assumir uma posição ativa; ela se vê compelida a descobrir seu jeito próprio de “dar a volta por cima”. A possibilidade de ser ativo, de transforma a dor em algo interessante, faz perder o medo de ser passivo; abre a possibilidade de sentir mais vivacidade e nitidez, e de se entregar a essa experiência nova – a de ser uma espécie de caixa de ressonância sensível para que a própria vida psíquica possa emergir em todas as suas tonalidades.

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