domingo, 27 de julho de 2014

BEM ENVELHECER -

Depois da Segunda Guerra Mundial, o Almirante Hart elaborou uma evocação que tem passado através de diferentes épocas, como sendo de um autor anônimo, com muitas variantes, de muitas formas diferentes. Ele disse mais ou menos assim: “Senhor, dá-nos a serenidade para aceitar tudo quanto devemos aceitar, para aceitar tudo que é difícil de ser aceito. Mas, dá-nos, sobretudo, sabedoria para distinguir uma coisa da outra.” É essa sabedoria que deve orientar nossos sentimentos, para identificarmos aquilo que podemos modificar. E aquilo que não nos é possível mudar. Aceitando e incorporando ao nosso modo de viver e de maneira agradável, positiva e realmente feliz. A grande problemática do binômio saúde-doença é das mais relevantes da história do ser humano. Se examinarmos essa problemática, perceberemos que ela tem sido motivo de discussão em todas as áreas do pensamento. E, naturalmente, a ciência aliada à tecnologia tem avançado para oferecer ao ser humano longevidade, vida mais longa. Não apenas uma vida muito longa, mas uma vida saudável. O importante não é que vivamos muitos anos. O importante é que vivamos bem cada momento da nossa vida. A existência terrestre não deve ser contada apenas pelo número de anos que o ser biológico viveu. Mas, pelos incomparáveis momentos de felicidade que todos podemos fruir a cada instante. Para podermos melhor entender a problemática do binômio saúde-doença, lembremos que, segundo a Organização Mundial de Saúde, saúde não é a falta de doença. Durante muito tempo pensávamos que uma pessoa saudável era uma pessoa que não se encontrava doente. A visão psicológica e sociológica da Organização Mundial de Saúde, neste momento, é muito ampla. Ela estabelece que saúde é o resultado de três fatores que se completam: harmonia fisiológica, bem-estar psicológico e equilíbrio sócio-econômico. A grande proposta hoje da ciência médica é aquela que objetiva o ser integral. Nós somos uma realidade muito diferente daquilo que estamos. Estamos numa personalidade transitória, passageira, elaborada por fatores genéticos psicossociais, sócio-econômicos, sócio-educacionais. Mas, nós somos um ser de interação universal, um ser eterno, que transita etapa a etapa, através desse fenômeno biológico da fecundação e que abandona o processo orgânico por outro fenômeno biológico da morte ou da desencarnação. Para as modernas pesquisas da psicologia transpessoal, o ser não é apenas a argamassa celular. Estabeleceu-se no academinicismo físio-psicológico que a criatura humana era o seu cérebro, e esse cérebro passou por grandes avaliações. No começo do século, acreditava-se que a criatura humana era os seus neurônios. E esses neurônios, até mais ou menos 1920, eram calculados em 5 bilhões, aproximadamente. Havia se estabelecido e mantém-se que esses neurônios nascem com o indivíduo. É a fatalidade biológica. Mas à medida em que eles morrem, não há uma renovação. E, por isso, obedecendo à lei da termodinâmica na área da entropia (medida da quantidade de desordem num sistema), envelhecer e morrer são inevitáveis. A viagem para o caos, para o desgaste, para a desorganização da energia é um fator irreversível. Mais ou menos na década de 40, os neuro-fisiologistas constataram que o nosso cérebro possui aproximadamente 10 bilhões de neurônios. Com a chegada dos telescópios e microscópios eletrônicos, particularmente dos últimos, a década de 50 foi muito auspiciosa. Nós seríamos dotados de 50 bilhões de neurônios. Mais recentemente, ao eclodir a década de 80, as investigações levaram-nos a aproximadamente de 75 bilhões a 100 bilhões de neurônios, estabelecendo que o homem tem muito mais neurônios do que as mulheres, diferença que não significa quase nada. Hoje a ciência de tal forma se tornou elástica que matou muitos mitos e, entre eles, o mito da velhice. Antes, por exemplo, acreditava-se que uma pessoa de 40 anos era praticamente inválida. Em nosso país, ela não é inválida, mas está quase inválida. Vemos uma pessoa de 40 anos e dizemos: “Meu Deus, já tem 40 anos!” E nós que temos alguns meses mais de 40 anos, vingamo-nos dizendo: “A idade que você tem eu já tive. Agora, se você vai chegar à idade em que me encontro, não sei.” É uma praga. Estamos desejando que a pessoa morra de acidente ou de uma outra coisa qualquer. É a vingança do adulto que tem inveja do jovem. Somente envelhece quem quer. E somente é velho quem velho se considera. A nossa atividade mental mantém a nossa juventude. É quando dizemos: “Eu já não tenho mais a mesma facilidade para memorizar. Estou perdendo a memória.” Pois procure-a, ela está lá no arquivo, é somente buscá-la, não espere que ela chame por você. As pessoas mentalmente ativas mantém a memória muito lúcida. Alguns a têm hoje melhor do que quando contavam 20 anos. Simplesmente porque se recusaram a ser velhos, porque aceitaram a beleza do envelhecimento. Cada idade tem seu contributo, tem a sua maravilha, tem as suas conquistas. E não pode haver nada mais fascinante do que cada momento do vir a ser. A verdadeira psicologia não é apenas aquela do que fomos, do que fizemos, do onde estávamos. Mas é essa proposta das nossas possibilidades inatas, desse imenso oceano a descobrir, a conquistar, dessas terras do sem fim, por onde nós iremos caminhar. Na medida em que nós nos esforçamos, a memória tende. Exceto diante das psicopatologias ou de outros processos degenerativos que fazem parte da nossa máquina. Chico Xavier, quando estava com 80 anos, era risonho e jovial. E ele sempre dizia: “A máquina está gasta, mas eu estou muito bem comandando a máquina.” E vemos, no entanto, máquinas jovens, novas, tão mal direcionadas e tão gastas porque os comandos perderam a linha do equilíbrio. Uma das condições para a saúde mental é o exercício da máquina de natureza psíquica. Não dar trégua à máquina, cuja função é atender às exigências do Eu superior, também chamado “Self”, também chamado espírito, ou outras designações, conforme a corrente filosófica, cultural ou religiosa que cada um professe. Mas se estabeleceu que esse ser profundo, esse ser transpessoal que independe do cérebro, é o comandante da máquina. E ela atende-o conforme o direcionamento que ele der, tendo-lhe as rédeas na mão. Repito, somente é velho quem quer. Pessoas há que a partir dos 40 anos ou 45, principalmente quando se aposentam, que assinam o próprio atestado de decadência. A palavra aposentado passou a ser o carimbo da senilidade, da velhice. “Ele é aposentado, é inútil, é a cadeira velha que rasgou a palhinha e se coloca no canto e não deixa ninguém sentar porque está furada.” Aí sim é uma coisa velha. Mas a pessoa aposenta-se para começar a trabalhar. Na Índia, há um livro chamado o Bhagavad Gita, e particularmente no Vedanta uma proposta comportamental: o indivíduo até os 18 anos “pertence” aos seus pais, dos 18 aos 50, “pertence” à família e, a partir dos 50, “pertence” a si mesmo, para entregar-se à vida espiritual, totalmente livre. É o momento da sua maturidade, das suas experiências. Mas nós somos escravos de convenções, de imposições injustificáveis, de tabus e de superstições. Em nosso país, uma pessoa aposentada, assinalada por esse timbre de decadência orgânica e mental, é um indivíduo que se nega a viver. E não pode haver um espetáculo mais hediondo do que as pessoas com de 40 anos, principalmente os homens de boné, numa praça pública, jogando dominó, dama ou gamão e falando dos seus maravilhosos e detestáveis tempos do passado. Porque nada é mais detestável do que o “meu tempo” ou “Ah! Antigamente.” Era horrível. Nada pior do que as viagens de antigamente. A pessoa de guarda pó branco para não se entupir de areia e de pó de todas as cores. Nada mais maravilhoso do que uma pista de asfalto ou o suave deslizar de um avião. Devemos sim negar-nos, para uma boa saúde psicológica, a esse timbre de ser aposentado. Vou apresentar uma sugestão para as esposas de homens aposentados: ponham para fora de casa os maridos aposentados. Não pode haver nada pior do que um homem aposentado dentro de casa. A mulher liga a luz, ele apaga. Ela abre o bico de gás, ele apaga, para fazer economia. Eles precisam fazer algo de útil para que a morte não seja anunciada. Para não morrer antes da hora. As exigências da nossa sociedade em relação às mulheres chega a beirar a crueldade. Elas não podem envelhecer em paz. E se a mulher for famosa, o sofrimento é dobrado. Cada ruga, cada estria, cada flacidez é divulgada pela imprensa, como se ela fosse culpada dos traços que a vida naturalmente lhe impõe. A ditadura da juventude nos impede de observar a beleza e plenitude que há na mulher de 40, 50 ou 70 anos. Aprendamos que saúde é um estado de espírito e o espírito jovial é sempre saudável.

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