segunda-feira, 9 de junho de 2014

CULPA E REPARAÇÃO -

Em nossas vivências diárias, em razão da imprudência que ainda nos caracteriza a imaturidade psicológica, é muito comum termos algum pensamento menos feliz, dizermos desavisadamente algo que fira a outrem, sermos indelicados no trato com o semelhante, administrar mal os relacionamentos, extravasar as paixões, manifestar comportamentos indevidos. Na maioria das vezes, depois do erro que cometemos, damo-nos conta de que não agimos adequadamente, instalando-se em nosso íntimo um sentimento desagradável, que nos constrange frente ao acontecido, gerando grande inquietação. Este sentimento é a culpa. Variando em número e grau, o sentimento de culpa pode resultar em pequenos conflitos ou em grandes dramas, muitas vezes transcendendo os limites de espaço e tempo da vida atual, com raízes que se aprofundam em numerosas existências passadas e que se projetam na direção das existências futuras. Podemos, a rigor, classificar o sentimento de culpa em dois tipos: o primeiro seria decorrente de uma ação intempestiva, na qual não havia a intenção de causar nenhum prejuízo, embora implicando em dano para alguém. É, por exemplo, quando falamos algo no calor de uma conversa que acaba magoando o interlocutor, às vezes uma pessoa muito querida por nós. O segundo tipo, por sua vez, resultaria de uma ação planejada, na qual fica claro o propósito de prejudicar alguém. São os ódios materializados, as vinganças levadas a cabo, as agressões. No primeiro tipo o sentimento de culpa surge quase que de imediato ao fato sucedido, enquanto que no segundo é frequentemente muito tardio. Independente da gravidade da ação equivocada, quando o sentimento de culpa se manifesta, traz consigo uma sensação estranha, difícil de explicar, da qual queremos nos livrar do modo mais rápido possível. Aí é que mora o perigo, pois, na ânsia de nos livrarmos da culpa, acabamos nos tornando reféns dos chamados mecanismos de defesa do ego. Alguns passam a projetar a sua culpa entre aqueles com quem dividem a intimidade; outros a reprimem, não querendo admiti-la; inúmeros a racionalizam, na tentativa de justificá-la, mesmo que com motivos que não convencem; muitos, ainda, se escoram na negativa, fingindo para si mesmos que não há nada de errado, que tudo está bem. Semelhantes atitudes são alternativas falsas, pois buscam camuflar ou escapar ao problema sem, entretanto, resolvê-lo. O sentimento de culpa segue presente... Diante de algum erro e do sentimento de culpa que o acompanha, “arrependimento, expiação e reparação são as três condições necessárias para apagar os traços de uma falta e suas conseqüências”, nas palavras de Allan Kardec, o codificador do Espiritismo. Deduzimos, desta explicação, que a libertação do sentimento de culpa só acontecerá se forem atendidos os seguintes pré-requisitos: reconhecer o erro e arrepender-se; encarar o erro de frente e suportar as suas inevitáveis conseqüências; buscar repará-lo de alguma maneira. Portanto, arrependimento, expiação e reparação são as três etapas para que o erro seja de fato ressarcido. Os pais, a família, a escola, as leis contribuem para a formação do sujeito e sua liberdade de escolha. No entanto, podemos afirmar que nossa liberdade de escolha não é tão grande quanto sonhamos. Nem a nossa, nem a do outro que convive conosco. Nós humanos somos inconsciência e pouco liberdade. Mas, não tornemos pessimistas. Deus é consciência e liberdade. Ele sabe disso tudo e tem misericórdia pela nossa condição humana. Ele nos ama incondicionalmente e, através do Evangelho de Jesus, nos fornece os moldes perfeitos de vida e de exemplo a seguir. Não é à toa que na cruz, ao se sentir abandonado, traído e desprezado por quase todos, em momento magnífico de amor à humanidade, pouco antes de sua morte, bradou ao mundo, à nossa humanidade tão limitada, tão inconsciente dos próprios atos: “Pai, perdoai, eles não sabem o que fazem.” A culpa mal trabalhada leva não somente ao excesso de escrúpulos, mas a neuroses, precipita doenças como a síndrome de ansiedade e do pânico, obsessões e até mesmo graves doenças psicossomáticas. Mas, principalmente, conduz o ser humano a uma infelicidade crônica. O remorso e a culpa nos prendem ao passado e nos levam a viver estagnados, caso não tomemos atitudes de maturidade psicológica para dar um encaminhamento adequado a esses sentimentos. Quando erramos, precisamos, antes de tudo, aliviar nossa consciência, através do arrependimento, passo para o auto perdão e para a necessária reparação da falta cometida. Tomar consciência de seus erros e se libertar da culpa não isenta o indivíduo da necessidade de reparar as suas faltas. Livrar-se do sentimento de culpa não liberta aquele que foi ferido de sua dor. “O arrependimento suaviza os travos da expiação, abrindo, pela esperança, o caminho da reabilitação; só a reparação, contudo, pode anular o efeito destruindo-lhe a causa. Do contrário, o perdão seria uma graça, não uma anulação”. Estas considerações de Kardec sublinham a dimensão exata do processo de reparação.

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